Susana de Lencastre, Directora e Francisco V. Gonçalves, Senior

Susana de Lencastre, Directora e Francisco V. Gonçalves, Senior

Este não é um artigo direcionado só às organizações. Este é um artigo dirigido à alma das organizações, as Pessoas.

O tema da corrupção e da fraude, cada vez mais na órbita das notícias publicadas, tem levado, para além das várias entidades governamentais (ex. Reguladores e Supervisores) e não-governamentais (ex. Transparency International e consórcios de jornalistas de investigação), crescentemente atentas a estes temas, a que as pessoas também comecem, cada vez mais, a tomar consciência do impacto que, direta e indiretamente, estes crimes têm na vida individual de cada um.

Aliás, esta tomada de consciência da sociedade tem vindo a promover mudanças internas na forma como as organizações endereçam os temas de prevenção, não só pelo aumento de potencial do risco direto (financeiro e operacional), mas acima de tudo, pelo risco reputacional que implicam.

No entanto, no que toca a cada um, assistirmos ou sermos vítimas de um crime direto, como um furto, promove um enviesamento cognitivo que nos leva a dar um peso maior a esse crime face a um desvio de milhões de euros num qualquer esquema de fraude.

But, what if… e se cada um de nós tivesse plena consciência do impacto que pode ter na prevenção e/ou denúncia de um esquema de fraude? Ainda assim o impacto talvez não fosse o mais direto que se a pergunta fosse “e se pudéssemos prevenir o furto do nosso carro na semana passada?”.

Alteremos então a premissa. E se, pudéssemos prevenir a desvalorização do sistema nacional de saúde e a sua incapacidade de cuidar das pessoas devido a recursos financeiros “desviados”? Talvez o impacto se comece a sentir.

Aumentemos então a complexidade da equação, personalizando-a. E se eu – que leio este texto – tivesse a possibilidade de ser um agente ativo na forma como a sociedade evolui como um todo?

E se, ao reportar situações não éticas, eu fosse mais longe? E se, ao reportar, eu pudesse considerar que estou a exercer um direito cívico? E se a sociedade começasse a ver o ato de reportar irregularidades como um passo em direção a um futuro mais equilibrado e justo?

E se, finalmente, ao encontrar mecanismos que me salvaguardam enquanto indivíduo (pelo anonimato e confidencialidade) e que garantam que as situações são tratadas, eu me sentisse participante ativo que pode ter impacto na mudança.

Não só isso é possível, como é necessário. Os mecanismos de reporte de irregularidades tendem a existir cada vez mais nas organizações, e deles são identificadas mais de 40%1 de situações de fraude nas organizações (1 Association of Certified Fraud Examiners, 2020), mas o ónus da responsabilidade do seu uso também é das pessoas e do seu senso de integridade. Talvez não seja a primeira solução que surge. É normal! Isso é algo que culturalmente se irá consolidando se existir confiança no reporte e nos processos que daí resultem. Mas procurar apoio com superiores e/ou pessoas de confiança, ou indagar pela existência de um canal de reporte é um direito que não só será um primeiro passo para minimizar comportamentos antiéticos, como, acima de tudo, é porventura uma afirmação da existência do bem mais valioso das organizações, as pessoas e a sua integridade individual.